Movimento Pró-Democracia

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12 de dez. de 2009

A voltagem do choque de ordem carioca



 Foto: O Globo (todos os direitos reservados)

A pior coisa de vivermos numa bagunça institucionalizada não é o caos em si, pois o ser humano tem o fantástico poder de se acostumar com qualquer coisa – até com o alto-falante do vendedor de pamonha. O problema é que, quando tudo está fora da ordem, sempre chega ao poder a turma que traz na mão direita uma cartilha de posturas e na esquerda um cassetete. Nas entrevistas, usam um tom entre o professoral e o intimidatório para advertir a plebe ignara de que quem jogar água fora da bacia pagará caro.

Desde que o primeiro português estalou o primeiro chicote nas costas do primeiro negro e chamou o primeiro índio de preguiçoso, nosso país é marcado pelo individualismo e pela falta de educação. Relatos do tempo das caravelas já falavam em propinas, corrupção, venda de privilégios e apadrinhamentos. Competição justa, baseada em igualdade de oportunidades e no respeito às regras nunca foi o forte por aqui.

O resultado é que, 500 anos depois, uma das mais antigas cidades do Brasil, o nosso Rio de Janeiro, transformou-se na sucursal do Inferno de Dante, como pode atestar quem dá um passeio a pé pelo Centro da cidade ou por Copacabana – nem vou falar do calçadão de Madureira porque é covardia. 

A situação chegou a tal ponto que todos os cariocas que não são camelôs, motoristas de vans ilegais, flanelinhas, taxistas piratas, cambistas, mendigos ou traficantes clamam por ordem.

Tivemos muitos anos de governo Cesar Maia, um político que começou perseguindo ambulantes pelas ruas e terminou montado num elefante branco de R$ 600 milhões que não serve para nada, uma Cidade da Música que dói nos nossos ouvidos e bolsos. Como se vê, já caímos uma vez no conto da promessa de ordem pública. 

Quando Maia saiu, a bagunça na cidade era tanta que Eduardo Paes nomeou logo de cara um xerife para correr atrás da mulambada. Rodrigo Bethlem é uma figura emblemática. Sério, com suas cartilhas debaixo do braço, costuma acompanhar pessoalmente as operações de choque de ordem.

À primeira vista, parece que finalmente o poder público está interessado em ordenar o torturante cotidiano carioca. Já era tempo.

Mas a maioria das operações da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop) ocorre na Zona Sul, morada dos formadores de opinião. Méier, Lins, Engenho Novo, Bangu, Madureira estão em segundo plano, como sempre. 

E, mesmo na Zona Sul, o choque não é para todos. Nunca vi rebocarem os carros que os hotéis da orla colocam em cima da calçada. Tudo pelo turismo é o nosso lema. Outdoor perto de túnel não pode, mas se for propaganda da Olimpíada... E a orla de Copacabana virou uma orgia de publicidade, embora a lei vete anúncios à beira-mar.

A sensação que tenho é de que, apesar de todas essas operações, o caos continua basicamente o mesmo, porque as pessoas são reprimidas, mas não educadas. Só paramos no sinal se houver um guarda. O Maracanã é uma terra de ninguém: vale tudo, menos beber. Fumar virou crime hediondo e conheço duas pessoas que perderam a carteira de motorista por terem tomado um único chope. E ainda vão nos tirar o queijo coalho na praia! 

A denúncia da comissão da Câmara Municipal, que mostrou o depósito da Seop em Bonsucesso infringindo todos os mandamentos que seus agentes nos obrigam a cumprir, foi um soco na boca do estômago. Como resposta, o xerife se disse vítima de sensacionalismo e garantiu que está ordenando os depósitos. Para eles arrumarem a casa, todo tempo do mundo; para nossas escorregadelas, arrogância, multa, reboque e até spray de pimenta. 

Precisamos de educação – e não é com pré-matrícula para a rede municipal apenas pela internet que vamos universalizá-la. Não foi à toa que houve quase 13 mil inscrições a menos do que no ano passado, e a Secretaria de Educação teve que prorrogar o prazo.

Retirado do Blog 'Rio Acima', de Marcelo Migliaccio – Jornal do Brasil 7-12-2009
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